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nov

campinas | música contemporânea | palavras… visões… sons

  • 20:00

A antropofagia da música não-europeia

curadoria | joão marcos coelho

Em novembro, o pianista Horácio Gouveia mapeia o essencial da música para piano do século 20, combinando compositores díspares entre si como o húngaro Bela Bartók e o alemão Karlheinz Stockhausen; o russo Dmitri Shostakovich e o norte-americano Charles Ives; o francês Olivier Messiaen, o inglês Benjamin Britten e o italiano Luciano Berio.
No concerto de encerramento da temporada 2016 de música contemporânea do Instituto CPFL, Emmanuele Baldini, spalla da Osesp, comanda três notáveis exemplos de música inclusiva, aberta e libertária. O húngaro Gyorgy Kurtág, 90 anos, “conversa” com textos de Kafka; o judeu alemão Hanns Eisler compõe música para o curta-metragem mudo “Chuva”, dirigido por Jorg Ivens em 1929; e mostra uma preciosidade: doze das 21 canções do célebre ciclo “Pierrot Lunaire”, de Arnold Schoenberg para voz e grupo instrumental estreada em 1912 em Berlim, na versão para o português realizada pelo poeta Augusto de Campos na década de 1960.

curadoria| joão marcos coelho
é crítico musical e articulista do caderno 2, de o estado de s.paulo, colaborador do suplemento eu & fim de semana, do jornal valor econômico, e da revista concerto.

Palavras… visões… sons

Emmanuele Baldini violino (Kurtág) e regência
Manuela Freua canto
Dana Radu piano
Dan Rafael Lira Tolomony violino
Clara Santos viola
Rafael Caboclo violoncelo
Patrick Viglioni clarinete
Savio Araujo flauta

O “spalla” da Osesp Emmanuele Baldini acompanha ao violino a soprano Manuela Freua numa seleção de “Fragmentos de Kafka” de Kurtág; e rege doze das 21 canções de “Pierrô Lunar” de Schoenberg, também com Manuela; e comanda a execução de “Catorze maneiras de descrever a chuva”, de Hanns Eisler, música composta como trilha sonora do curta-metragem mudo “Chuva”, de Joris Ivens.

PROGRAMA

– György Kurtág (1926) Seleção de “Fragmentos de Kafka”

– Arnold Schoenberg (1874-1951) Doze das 21 canções do ciclo “Pierrô Lunar”, três vezes sete poema de Albert Giraud – recriação de Augusto de Campos da versão alemã de Otto Erich Hartleben.

1. Bêbado de Lua (Mondestrunken)
2. Colombina (Colombine)
6. Madonna (Madonna)
7. Lua Doente (Der Kranke Mond)
8. Noite (Nacht)
11. Missa Vermelha (Rote Messe)
14. As Cruzes (Die Kreuze)
15. Nostalgia (Heimweh)
17. Paródia (Parodie)
19. Serenata (Serenade)
20. Regresso (Heimfahrt)
21. Ó Velho Olor (O Alter Duft)
– Hanns Eisler (1898-1962) “Catorze maneiras de descrever a chuva” com projeção do curta-metragem “Chuva” (1929, mudo), de Joris Ivens

VERSÕES DE AUGUSTO DE CAMPOS:

1. Bêbado de lua
o vinho que meus olhos sorve
a lua verte em longas ondas,
que numa enorme enchente solvem
os mudos horizontes
desejos pérfidos se escondem
no filtro do luar que chove,
o vinho que meus olhos sorvem
a lua verte em longas ondas
o poeta, no silêncio absorto,
absinto santamente absorve
e o céu é seu até que cai,
olhar em alvo, gesto tonto,
do vinho que meus olhos sorvem
2. Colombina
as flores-luz da Lua,
alvura luminosa,
florem na noite nua –
eu morro de brancura!
meu alvo é só seu alvo
busco num rio escuro
as flores-luz da Lua,
alvura luminosa
e só seria salvo
se o séu concedesse
o dom de ir desfolhando
à flor de teus cabelos
as flores-luz da Lua!

6. Madonna
paira,ó mãe do desespero,
sobre o altar destes meus versos!
sangue de teus magros peitos
o furor da espada verte.
tuas chagas vejo abertas
como olhos ocos, cegos.
paira, é mãe do desespero
sobre o altar destes meus versos!
e teus fracos braços server
o cadaver, membros verdes,
de teu filho ao universo –
mas o mundo se diverte
mais, é mãe di desespero.

7. Lua doente
Noturna, moritura Lua,
lá, no sem-fim do negro céu,
olhar de febre a vibrar
em mim, a qual rara melodia.
com infindável dor de amor
vais, num silente estertor,
noturna, moritura Lua,
lá, no sem-fim do negro céu.
o amante que teu brilho faz
sonâmbulo perambular,
na luz que flui vai beber
teu alvo sangue se esvai,
noturna, moritura Lua,

8. Noite
Cinzas, negras borboletas
matam o rubor do sol.
como um livro de magia
o horizonte jaz – soturno.
um perfume de encensório
sobe de secretas urnas,
cinzas, negras borboletas
matam o rubor do sol.
e do céu a revoar
revolvendo as asas lentas,
vêm, morcegos da memória,
invisíveis visitantes…
cinzas, negras borboletas

11. Missa vermelha
Cruel eucaristia;
ao cintilar dos ouros
ao vacilar das velas,
sobe ao altar – pierrô.
a mão, a deus devota,
rasgou o santo manto.
cruel eucaristia,
ao cintilar dos ouros
com gestos piedosos,
alça nos longos dedos
a hostia gotejante:
seu coração sangrando.
cruel – eucaristia.

14. As cruzes
cruzes santas são os versos
onde sangram os poetas
cegos, que os abutres bicam,
fantasmas esvoaçantes.
em seus corpos lentas lanças
banham-se no rio de sangue!
cruzes santas são os versos
onde sangram os poetas.
vem o fim – e findo o ato,
vai morrendo o pranto fraco.
longe põe o sol monarca
a coroa cor de lacre.
cruzes santas são os versos.

15. Nostalgia
um suspiro de cristal partido
traz da Itália velhas pantonimas
à memória: e Pierrô, tão seco,
faz virar sentimantal de novo.
no deserto de seu peito oco,
surdamente sobre os seus sentidos,
um suspiro de cristal partido
traz da Itália velhas pantonimas.
já perdeu Pierrô seus ares tristes,
pelo incêndio lívido da Lua,
pelos mares mortos da memória,
vai soar, além, num céu longinquo,
um suspiro de cristal partido.

17. Paródia
Agulhas pisca-pisca
no seu cabelo gris,
a dama murmureja,
vestida de cetim.
espera na varanda
o seu Pierrô perverso,
Agulhas pisca-pisca
no seu cabelo gris,
mas ouve-se um sussurro.
um riso risca a brisa:
a Lua, atriz burlesca,
imita com seus raios
agulhas pisca-pisca.

19. Serenata
mil grotescas dissonâncias
faz Pierrô numa viola
sobre um pé, como cegonha,
ele arranha um pizzicato,
logo vem Cassandro, tonto
com o estranho virtuose
mil grotescas dissonâncias
faz Pierrô numa viola.
da viola já se cansa,
com os delicados dedos
pega o velho pela gola
e viola o crâneo calvo
mil grotescas dissonâncias

20. Regresso
A Lua é o leme
nenúfar o navio:
com vento em sua vela
Pierrô vai apra o sul.
o mar sussurra escalas
e embala a nave leve,
A Lua é o leme
nenúfar o navio.
a Bérgamo, vogando,
vai Pierrô volver.
já teme no oriente
o verde horizonte
A Lua é o leme.

21. Ó velho olor
Ó velho olor dos dias vãos,
penetra-me nos meus sentidos!
idéias doidas a dançar
revêm no leve ar.
um sonho bom me faz sentir
memórias que me abandonaram
Ó velho olor dos dias vãos,
penetra-me nos meus sentidos!
toda a tristeza se desfaz.
pela janela iluminada
eu vejo a vida que me vê
sonhas além a imensidade…
Ó velho olor dos dias vãos!

Série: A antropofagia da música não-europeia
Curador: João Marcos Coelho
Local: Instituto CPFL (Rua Jorge Figueiredo Corrêa, 1632, Chácara Primavera, Campinas – SP);
Datas: 26 de novembro
Horário: 20h;
Capacidade: Sala Umuarama: 162 lugares;
Classificação Etária: 14 anos;
Transmissão online : não
Entrada gratuita, por ordem de chegada, a partir das 19h. Vagas Limitadas;
Informações: CPFL Cultura (19) 3756-8000